Luciana Konradt
Crônica da noite de Natal
Por Luciana Konradt
Jornalista, advogada e escritora
Por todos os cantos, em várias crenças e línguas, vozes entoarão preces e hinos de louvor. Muitos vão servir fatias de peru sobre o mais lindo prato de porcelana, decorado com farofa e frutas. Alguns, ao mirar uma cadeira vazia junto à mesa da ceia, sentirão a dor imensa da saudade deslizar lentamente pela face, em lágrimas sufocadas por sorrisos e garfadas. Na sala de estar, grandes e pequenos se encantarão, embevecidos, ao lado de pinheiros cintilantes e caixas envoltas em fitas douradas. Outros, porém, irão celebrar absolutamente sozinhos, entre velas, um presépio e as lembranças de uma casa outrora cheia.
No espaço, enquanto erguerão suas taças, astronautas serão tomados de deslumbramento diante da Terra mais iluminada pelo pipocar dos fogos de artifício sobre os continentes azuis. Ao mesmo tempo, nas calçadas das metrópoles, invisíveis e esquecidos, em lares improvisados sobre papelão, pais irão apontar para o céu e elevar as crianças que, penduradas em seus ombros, diante do êxtase provocado pelo colorido das luzes, esquecerão, por alguns segundos, a falta de presentes e a inexplicada ausência do Papai Noel.
Para incontáveis trabalhadores, a noite de Natal será de zelo por nossa saúde, segurança, informação e bem-estar. Mãos se estenderão e palavras gentis vão ser ouvidas em trens, ônibus, navios e aviões. Abraços serão trocados em redações de jornais, estúdios de rádio e televisão, hotéis, restaurantes e leitos de hospitais. Indultos serão concedidos. Países irão negociar um cessar-fogo. Soldados inimigos beberão juntos pelo fim de uma guerra que não é deles.
Uma parcela de pessoas gastará além da conta. Outra, talvez, irá criticar o consumismo exagerado, em detrimento do caráter sagrado da data. Haverá quem, no meio da alegria, considerará insuportável a sequência repetitiva de músicas natalinas e a explosão de mensagens a serem respondidas. Mas, seja qual for o cenário ou a circunstância pessoal, o Natal provocará sempre, em quase todos, o mesmo encantamento. Por breves instantes, será portador daquela dose de confiança na humanidade e seu futuro. Ele terá o poder e a magia de carregar, em suas luzes coloridas, uma certa fé coletiva no que há de melhor em nós. E a boa e velha esperança que, desde os tempos de Pandora, remanesce, como um último presente dos deuses, bem no fundo da grande caixa da vida.
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